Um detective melancólico

Solitário, existencialista, melómano, apreciador de comida italiana, de um bom chope e de um charuto de vez em quando. Remo Bellini, o detective criado pelo brasileiro Tony Bellotto, 48 anos, guitarrista da banda Titãs, está de regresso a Portugal com mais uma investigação. Desta vez, trata-se de Um caso com o demónio, que a Quetzal acaba de lançar e cuja adaptação ao cinema, por Marcelo Galvão, se estreou na última edição do Fantasporto. Um manuscrito inédito de Dashiell Hammett levará Bellini, um paulista de alma e coração, às paisagens turísticas do Rio de Janeiro, no rasto de um playboy que poderá ter a chave deste mistério que exalta editores norte-americanos. Pelo meio, há uma adolescente assassinada na casa de banho de uma escola, com um tiro na testa. Como as personagens Hammett, Bellini dá o corpo ao manifesto e aventura-se por conta e risco em busca do assassino. É isso, aliás, que mais entusiasma Tony Bellotto, uma acção veloz, subjacente à ideia de um enigma a ser desvendado, conjugada com o retrato psicológico das personagens. «Os meus romances policiais seguem uma fórmula bastante tradicional, que se pode reduzir à máxima cadáver na primeira página, culpado na última», descreve. «O que os torna interessantes é a personalidade do Bellini, que é um detective bastante atípico».
O guitarrista dos Titãs, casado com a actriz Malu Mader, chega até a vê-lo como um duplo de si próprio. «Pelas reflexões que faz e pela forma como encara a vida é extremamente parecido comigo», afirma. A única diferença é que são lados opostos da mesma moeda. Um é solteiro, dado a infelicidades e a insucessos profissionais. De Tony Bellotto não se pode dizer o mesmo. «Todos sentimos que a vida também é feita de pontos obscuros, incertezas e inseguranças. Se eu consigo escapar a algumas, na escrita deixo que o fracasso e a desilusão se apoderem do Bellini». Não admira que o detective se entregue aos melancólicos ritmos do blues, que ouve no walkman, seguindo os gostos musicais do seu criador.
A música, de resto, sempre esteve presente na vida de Tony Bellotto – e comanda muitas vezes o ritmo da narrativa. Até porque o gosto pela escrita e pela música surgiu ao mesmo tempo, na adolescência. O fascínio por Jimi Hendrix e pelos Rolling Stones, entre outros, ditaram a primazia da guitarra eléctrica. No Colégio Equipe, conheceu alguns dos futuros membros dos Titãs, que na formação inicial contava com André Jung, Arnaldo Antunes, Branco Mello, Ciro Pessoa, Marcelo Fromer, Nando Reis, Paulo Miklos, Sérgio Britto e Tony Bellotto. O primeiro disco da banda, ainda activa, saiu em 1984.
Foi lá pelos 30 anos que passou a encarar a escrita mais seriamente. «Se ainda tenho esse desejo preciso tentar cumpri-lo», pensou na altura. E pôs mão à obra, aproveitando os períodos entre as gravações dos discos. O primeiro policial, Bellini e a esfinge, surgiria em 1995, seguido de Bellini e o demónio (Um caso com o demónio em Portugal) e Bellini e os espíritos (publicado pela Bertand com o título Um caso de espíritos). Fora do género, publicou os romances BR163: duas histórias na estrada e Os insones. Em projecto, está um livro, com a primeira versão já concluída, que aborda a temática da música. E uma tournée dos Titãs por Portugal, algo que nunca foi possível. Agora, talvez o Bellini ajude.

Texto publicado no JL n.º 1003 (foto de Bel Pedrosa)

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