O Seminarista, primeiro capítulo

Sou conhecido como o Especialista, contratado para serviços específicos. O Despachante diz quem é o freguês, me dá as coordenadas e eu faço o serviço. Antes de entrar no que interessa – Kirsten, Ziff , D.S., Sangue de Boi – eu vou contar como foram alguns dos meus serviços.
O último foi na véspera do Natal. O Despachante deu-me um endereço e disse onde encontrar o freguês, que estava dando uma festa para um monte de gente. Bastava chegar com um embrulho de papel colorido que eu entrava na casa. O Despachante era um cara magro e alto, muito branco, louro, e estava sempre de terno preto, camisa branca, gravata preta e óculos escuros. Ele me pagava bem.
«O freguês está vestido de Papai Noel e tem uma berruga no rosto ao lado direito do nariz.»
Sempre odiei, desde criança, esses papais-noéis fazendo Ô! Ô! Ô! Sei que o ódio é um surto de insanidade, como disse Horácio, Ira furor brevis est, mas ninguém está livre dele. Vesti uma roupa alinhada, peguei uma caixa vazia e fiz um enorme embrulho de presente. Coloquei sob a camisa a minha Beretta com silenciador e toquei a campainha da casa do freguês.
Para sorte minha quem abriu a porta foi o Papai Noel.
«Entra, entra», ele disse, «feliz Natal!»
«Faz Ô! Ô! Ô! pra mim», pedi, enquanto constatava a berruga ao lado do nariz.
«Ô! Ô! Ô!», ele fez. Dei um tiro na sua cabeça. Sempre dou um tiro na cabeça. Com esses coletes novos à prova de bala, aquela técnica de atirar no terceiro botão da camisa para furar o coração pode não funcionar.
Ah, me lembrei de outro trabalho que fiz, não digo sentindo prazer, mas com uma boa disposição. No princípio senti certo escrúpulo, o sujeito era cheio de filhos, meninos e meninas.
Nesse caso vigiei o freguês antes de fazer o serviço. Ele chegava de carro e a porta automática da garagem demorava para abrir. Dentro do meu carro, do outro lado da rua, tinha oportunidade de observá-lo. Era um cara nem magro nem gordo, bem-vestido. Devia gostar dos filhos, estava sempre acompanhado de um deles. Foda-se, pensei, vou fazer o meu serviço. Mas dentro de mim sentia certo mal-estar, creio que estava começando a ficar frouxo, e para um matador profissional a pior coisa do mundo é ter uma consciência, não existem coisas erradas e coisas certas, é tudo a mesma merda.
Eu nunca olhava as crianças com atenção, o que era um erro, nós temos que ver tudo, o assassino profissional não olha, VÊ, essa é a sua principal virtude: ver, videre acrius, como dizia Cícero, ver bem. Eu, estupidamente, não via que as crianças, meninos e meninas que variavam entre nove e onze anos, nunca eram as mesmas. Algumas estavam malvestidas, outras eram mulatas e certa ocasião o menino era um chinesinho ou coisa parecida. O puto do freguês era um pedófilo. Nenhum era filho dele. Há quem diga que isso é normal, que cerca de dez por cento dos homens são pedófilos, e há quem diga que pedofilia é uma doença. Não me interessa, seja lá o que for não gosto de pedófilos.
Entrar na garagem do freguês não foi difícil. Embiquei o meu carro atrás do dele assim que a porta da garagem abriu e entrei grudado no seu carro. Quando paramos os carros ele disse que o que eu fizera era proibido, devia entrar um carro de cada vez. Respondi que ele tinha razão, que eu era novo no prédio. Ele estava acompanhado de um menino que não tinha mais de nove anos.
Saltei no mesmo andar que ele, o corredor estava vazio e eu enfiei com força o cano da pistola nas costelas do puto.
«Abre a porta do seu apartamento», eu disse.
Entramos.
«Você quer dinheiro, não quer?»
«Quero», respondi.
Fomos até um cofre, que ele abriu. Havia um montão de dinheiro lá.
«Põe num saco», eu disse.
Ele botou a grana dentro da saca de uma loja grã-fina. Eu disse para o garotinho, «me espera lá na sala».
Ficamos eu e o freguês em frente ao cofre aberto. Sem pressa, atarraxei o silenciador no cano da pistola.
«Eu lhe dei toda a grana que tinha», ele disse.
«Foda-se», respondi, dando um tiro na cabeça dele.
O garotinho me esperava na sala. «Vamos embora», eu disse.
Na garagem, peguei no carro do freguês o controle remoto da porta da garagem, entrei no meu carro com o menino e saímos. Perguntei ao moleque onde era a casa dele.
Era um barraco na favela.
Assim que entramos, uma mulher gorda que devia ter trinta anos, mas parecia ter cinquenta, agarrou o garoto pelas orelhas.
«Onde você se meteu, hein?»
«O moço me levou para comer doces na casa dele», o menino respondeu.
«Não posso sair que esse moleque fica vadiando», suspirou a gorda.
«Onde foi que a senhora se meteu e largou o menino sozinho?», perguntei cutucando o peito da mulher com o cano da pistola.
«Eu tenho que trabalhar para comprar comida para esse moleque e os dois irmãos pequenos dele, o meu marido se mandou», ela respondeu com os olhos arregalados, a voz trêmula.
«Então agora vai parar de trabalhar», eu disse colocando a saca cheia de dinheiro na mão dela.
«Abre uma poupança e fica em casa cuidando dos seus filhos, ouviu?»
Apertei o cano da pistola no rosto dela, para deixar uma marca. Ela gemeu.
«Vou voltar aqui. Se você não tomar conta direito dos seus filhos eu te arrebento, entendeu? E se for viver com um gigolô que vai roubar a sua grana eu mato vocês dois.»
Claro que nunca mais voltei lá. Aquela favela estava repleta de mulheres infelizes, cheias de filhos, abandonadas pelos maridos. Foda-se.

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